Com a eleição de Leão XIV como novo líder da Igreja Católica, o primeiro papa norte-americano da história, voltou a ganhar repercussão um episódio singular envolvendo um brasileiro. Em 1978, dom Aloísio Lorscheider, natural de Estrela, no interior do Rio Grande do Sul, foi o primeiro da história do Brasil a conquistar os votos necessários para se tornar papa, mas recusou o cargo, alegando problemas de saúde.
O fato histórico, que voltou à tona com a recente publicação do escritor e educador Frei Betto, chama atenção especialmente em razão do atual contexto. Leão XIV assume o papado vindo de um país onde o catolicismo não é a religião majoritária. Já o Brasil, apesar de ser a nação com o maior número de católicos no mundo, jamais teve um papa.
Na época, o conclave havia sido convocado após a morte súbita de João Paulo I, que ficou apenas 33 dias no cargo. Lorscheider, então arcebispo de Fortaleza e figura de grande prestígio no cenário eclesiástico latino-americano, foi o primeiro a alcançar os dois terços exigidos pelos cardeais. No entanto, recusou o papado por temer que seus graves problemas cardíacos comprometessem a estabilidade da Igreja — havia se submetido a uma cirurgia com oito pontes de safena.
Após declinar da função, o cardeal gaúcho atuou ativamente na articulação que levou à eleição do polonês Karol Wojtyla, que viria a ser João Paulo II. De acordo com registros históricos, como afirma o jornalista americano Tad Szulc, Lorscheider teve papel decisivo ao mobilizar votos de cardeais latino-americanos e africanos para romper o impasse do conclave.
Cardeal desde 1976, nomeado por Paulo VI, Lorscheider foi arcebispo de Fortaleza e posteriormente de Aparecida, além de presidir a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e o Conselho Episcopal Latino-Americano (Celam). Faleceu em Porto Alegre, no dia 23 de dezembro de 2007, aos 83 anos, vítima de falência múltipla dos órgãos — dois anos após o papa João Paulo II.
Com sete cardeais brasileiros com direito a voto no conclave que elegeu Leão XIV, o Brasil segue tendo papel relevante nas decisões da Igreja, mas ainda distante de ver um papa nascido em seu território. A lembrança da trajetória de dom Aloísio Lorscheider reforça o quanto o país esteve perto de mudar essa história — e reacende o debate sobre a representatividade católica em nível global.

